20 de abr. de 2012

Melhores trilhas sonoras de finais de filmes

Lembrei em uma conversa de amigos, esses dias, sobre como algumas músicas se encaixam perfeitamente em finais de filmes. O resultado é bom para ambos. O filme fica com um toque inesquecível e a música, sempre que a escutamos, nos remete àquelas cenas que gostamos de assistir. Selecionei aqui sete momentos, pois não consegui lembrar de outros, mas certamente tem mais...


Da trilha sonora de "Braveheart" (Coração Valente), de James Horner. A cena final de tortura a William Wallace e o clímax com a música, executada pela Orquestra Sinfônica de Londres...belíssima.


Do filme "O Som do Coração", a rapsódia composta por um garoto que é um gênio musical precoce. Gosto mais da música em si do que do final do filme, mas mesmo assim funciona muito bem.


Esse filme é um pouco mais antigo ("O Último dos Moicanos"), mas a trilha sonora é uma obra-prima. A música-tema de Trevor Jones e Randy Edelman que embala o filme é a que aparece na metade deste vídeo, e é impressionante o efeito psicológico que cria, pois já nos dá uma pista de que não será um happy ending.


Hans Zimmer e Lisa Gerrard compuseram essa obra-prima ("Now We Are Free") para o filme "Gladiador". Não consegui encontrar as cenas finais com qualidade, mas este vídeo mostra algumas, soberbamente filmadas por Ridley Scott. Quem consegue esquecer o momento em que Maximus está para morrer e aparecem as cenas dele caminhando por um campo de trigo prestes a encontrar sua família no além-vida?


Stereophonics com "Maybe Tomorrow" bem no finalzinho de "Crash - No Limite", quando acontece um acidente de trânsito entre dois personagens antes secundários na trama...a música, que é boa, fechou muito bem com a tomada que mostra o acidente e a vida que segue...pena que não consegui encontrar exatamente a cena, mas vale a pena conferir o filme, muito bom.


Impressionante como aqui a música fechou direitinho com o clima do filme. "Efeito Borboleta" já é um clássico, e Oasis tocando "Stop Crying Your Heart Out" é o final perfeito quando os personagens principais se esbarram "por acaso", num déjà vu deprimente.


Esta é, sem dúvida, uma das melhores trilhas sonoras de final de filme ("Segundas Intenções"). A música é a inesquecível e belíssima "Bittersweet Symphony", do The Verve. Perfeita a sincronia entre o momento em que a personagem de Sarah Michelle Gellar abre a porta da igreja e a música entra a toda para desaguar no final melancólico de Reese Whiterspoon dirigindo sozinha. Um ótimo filme, feito por um elenco talentoso.

10 de mai. de 2011

A Verdade está lá fora (e lá em cima)



Saiu na BBC, mas achei o vídeo em uma resolução melhor aqui

Trata-se de uma obra-prima do fotógrafo norueguês Terje Sorgjerd, cujo vídeo foi filmado entre 4 e 11 de abril na montanha espanhola de El Teide - a mais alta do país. Eu não sabia, mas este é um dos melhores lugares para se observar o espaço. Ele utilizou a tecnologia timelapse, que acelera o tempo e produz imagens belíssimas. É também uma eficiente campanha turística para o local, e o melhor: viral e espontânea. Imperdível!






14 de abr. de 2011

Seção MAD - É óbvio que.. Mas no Brasil...


No Brasil nada é óbvio. Por aqui, o simples é complicadíssimo, porque o bom brasileiro tem medo de parecer simplista, embora as duas palavras não signifiquem a mesma coisa. Neste adorável país impera a necessidade de se justificar dizendo nada com coisa alguma, e não existem virtuoses neste quesito como os nossos políticos. Daí o absurdo rotineiro lido nas páginas de política dos maiores jornais do Brasil. Leio sobre esta ridícula discussão do plebiscito da proibição de armas e me encanto. Ah, Pátria amada, mãe gentil dos filhos deste solo: acuda, acuda, acuda! Como se o Congresso não tivesse coisas muito mais urgentes e necessárias para dispender energia e tempo. Li tanta incoerência nos últimos tempos que preciso surtar! Sobrou a alternativa de copiar o pessoal da Empiricus Research, que rotineiramente utiliza esse método da revista Mad para ilustrar de forma bem humorada - e quase sempre sarcástica - os seus pontos de vista. Um brinde a Lavoisier e Adams Óbvio, e vamos para minha seção Mad em homenagem ao way of life tupiniquim:

É óbvio que...o massacre do Realengo foi um caso excepcional de violência de um psicótico, e que seria muito mais simples combater a entrada ilegal de armas no país e aparelhar melhor as polícias e os sistemas prisionais...
Mas no Brasil...se propõe, no calor do momento, um plebiscito para desarmar a população sem sequer estudar as verdadeiras causas de morte no país por dados estatísticos confiáveis.

É óbvio que...flanelinha não é uma profissão, que a rua é um bem público pago com nossos impostos e que a polícia tem obrigação de prendê-los por extorsão...
Mas no Brasil... as pessoas se acostumaram a ponto de reclamar dos preços de R$ 80 cobrados pelos mesmos nas imediações do Morumbi no show do U2, mas não questionam mais a ilegalidade do ato em si. Enquanto isso, um jornal publica uma enquete sobre o assunto e uma das alternativas diz: "aceito pagar um flanelinha desde que esteja vinculado a uma associação".

É óbvio que... estradas com buracos e defeitos na pista devem ser consertadas com a mesma velocidade vista no Japão pós-tsunami...
Mas no Brasil...o governo simplesmente passa atestado de incompetência e coloca placas avisando aos incautos motoristas para dirigirem com cuidado, pois há buracos e defeitos na pista (oooohhh!!)

É óbvio que...jogar lixo nas ruas entope bueiros e bocas de lobo, ajudando a causar alagamentos nas cidades...
Mas no Brasil...as pessoas acreditam que é Nossa Senhora da Dragagem quem tem moral com São Pedro.

É óbvio que...um país com crescimento consistente como o do Brasil acaba tendo sua moeda valorizada pelo seu sucesso, e que é necessário fazer reformas (política, tributária, previdenciária, fiscal, judiciária...) e investimentos macro para que a competitividade de nossas empresas melhore, apesar do Real apreciado...
Mas no Brasil... tudo se resume a juros e política fiscal regada a truques contábeis, voodoo de autoridades empresariais e sindicais e um governo que quer assobiar e chupar cana ao mesmo tempo.

É óbvio que...dever-se-ia controlar melhor as fronteiras, endurecer as leis, rever relações diplomáticas com governos que apoiam narcotrafiantes e varrer os corruptos do poder para haver redução dos crimes relacionados ao tráfico de drogas...
Mas no Brasil...a discussão é manipulada pelos "proto-intelectuais" que erguem a bandeira da legalização como solução mais factível para a questão.

É óbvio que...se gastássemos mais com fiscalização e punição e menos com campanhas de conscientização de trânsito ou meio-ambiente, os resultados seriam muito mais eficazes (o ser humano, via de regra, só aprende pela dor)...
Mas no Brasil...a discussão é dominada pelos "proto-educadores", publicitários do governo e as gráficas com suas infames cartilhas.

É óbvio que...antes de querer sediar uma Copa ou Jogos Olímpicos o país precisa, no mínimo, ter um mínimo de infraestrutura já consolidada...
Mas no Brasil...a gente extirpa o complexo de vira-lata colocando carros na frente dos bois... aí espera sentado à beira da estrada que alguém venha socorrer.

É óbvio que...uma grande empresa como a Vale sabe avaliar os benefícios de se entrar ou não no setor de siderurgia, mesmo porque essa conversa de que devemos buscar agregar valor nas exportações nem sempre é verdadeira, como explica magistralmente o Alexandre Schwartsman...
Mas no Brasil...o governo acredita entender mais de qualquer coisa do que qualquer um, e danem-se os milhares de acionistas minoritários da companhia.

É óbvio que...pagamos uma carga tributária para termos direito à educação, saúde e infraestrutura...
Mas no Brasil...estes equipamentos são precários e utilizados pela massa que não tem condições de pagar pela segunda vez - leia-se escolas particulares, planos de saúde e rodovias pedagiadas.

É óbvio que...nós já sabemos de tudo, ou praticamente tudo isso...
Mas no Brasil...ninguém faz nada, deixa pros "outros" se virarem.

11 de abr. de 2011

A beleza e profundidade das charges

Sempre gostei de charges, tanto quanto de HQs. Adorava ver as charges dos irmãos Caruso no Estadão e ainda gosto muito das do Frank, publicadas diariamente n´A Notícia.

Na última semana, a tragédia de Realengo no Rio causou comoção nacional e internacional, e chargistas obviamente não se esquivaram do tema. Tanto quanto a arte, o que sempre me admirou nestes artistas é a argúcia e a capacidade de expor um assunto cotidiano ou extraordinário sob um ponto de vista inusitado, por vezes ajudando-nos a refletir sobre um outro lado o qual a notícia publicada não consegue alcançar.

Hoje, ao vasculhar o sítio A Charge On Line em busca de ilustrações para minhas apresentações das reuniões semanais de economia, deparei-me com três obras-primas que realmente me comoveram, tanto pela sensibilidade como pela criatividade. Seguem, abaixo:

Jarbas - Diário de Pernambuco

Dálcio - Correio Popular

Paixão - Gazeta do Povo

27 de mar. de 2011

Da série "Minhas Memórias"

Um mês de preparativos e a mudança finalmente está encaminhada. Dias encaixotando e carregando coisas para o novo apartamento, até que venha o caminhão "oficializar" tudo... Dias também para remexer em lembranças pálidas por meio das tralhas que a gente guarda por puro saudosismo. Dentre as relíquias encontradas, minha produção caseira de quadrinhos; a baqueta que o percussionista da banda do Ben Harper atirou pra galera e que caiu, fortuitamente, aos meus pés; recibos de salários do meu tempo de estagiário em uma agência de publicidade - meu primeiro emprego - e, principalmente, minhas fotos impressas, quando máquinas digitais eram peças de luxo. Também tive que me conter para não passar o dia relendo meus quadrinhos do Asterix e Calvin & Haroldo, sob risco de não cumprir o cronograma apertado.


Ao longo da vida, a gente vai juntando essas quinquilharias e a mudança é uma oportunidade rara de se livrar de uma considerável parte dela. Meus CDs de música, por exemplo, foram todos distribuídos. Na era do MP3, não faz mais sentido manter pilhas de discos mofando e juntando pó, ainda mais para quem sofre de rinite alérgica. Há quem curta e até prefira escutar nos discos, mas eu não sou nem um pouco saudosista neste aspecto.

Assim como as fotos, a organização dos discos também se tornou uma viagem tipo "Túnel do Tempo". Músicas são parte da nossa vida, impregnam as memórias e acabam se tornando referências e reflexos de nossas personalidades. E lá estavam eles, os meus quatro primeiros da coleção - presentes de Natal da época em que o Plano Real equiparou nossa moeda ao dólar e nos devolveu poder de compra. Uma época, também, em que a MTV brasileira chegava pela antena parabólica, e com ela, todas as novidades do cenário musical, pois naquela época a MTV realmente se ocupava de música. Lembro que a emissora concedia uma honraria aos astros de primeira grandeza, ao anunciar que os clipes de estreia seriam exibidos nas horas pares de um determinado dia. Guns N´Roses, Madonna, U2 e Michael Jackson foram alguns homenageados.

Mas eu estava falando dos 4 primeiros. Foram eles: Nevermind do Nirvana, Ten do Pearl Jam, Money For Nothing do Dire Straits e Automatic For The People, do R.E.M.. Todos eles se tornaram clássicos, e o mais desconhecido da lista hoje talvez seja o R.E.M., mesmo que o álbum tenha sido eleito um dos 3 melhores da década de 90, junto com o Nevermind e OK Computer, do Radiohead. Mesmo assim, "Automatic..." ainda é o meu favorito do quarteto. A partir dele, meu horizonte musical se abriu consideravelmente, já que ainda havia muita tribalização de gostos musicais da juventude da época, especialmente com rock pauleira em suas diversas vertentes. Caras que gostassem de todo tipo de som eram vistos meio que como aliens, e eu era um bom exemplo disso, embora não desse a mínima.

"Automatic..." foi uma experiência única, porque me apresentou um R.E.M., incensado com o megasucesso "Losing My Religion", como uma banda muito mais eclética e versátil do que eu  pensava. E tudo está ali - o piano de Mike Mills em Nightswimming, órgãos, violoncelo (como na belíssima Sweetness Follows) com as distorções elegantes de guitarra que se tornaram marca registrada de Peter Buck... As músicas do álbum, mesmo as mais agitadas, mantém aquela atmosfera introspectiva, permeada de imagens do interior dos Estados Unidos, e naturalmente sublinhada pela voz grave de Michael Stipe. É possível encontrar inúmeras referências a personalidades mortas de maneira trágica. Everybody Hurts é uma preocupação de Michael Stipe com a onda de suicídios que acometia os jovens da época, e dizem que Kurt Cobain, amigo pessoal de Stipe, escutou muito a música dias antes de se matar. Man On The Moon foi uma homenagem ao comediante Andy Kaufman - sim, aquele mesmo interpretado por Jim Carey no filme "O Mundo de Andy" - muito antes do filme sair. Embora digam que Find The River é uma homenagem póstuma ao jovem ator e ex-promessa de Hollywood, River Phoenix (morto precocemente ainda em início de carreira por overdose), isso não é verdade posto que a morte ocorreu dois anos depois do lançamento do CD. Mesmo assim, é uma das melhores músicas do álbum. 

Enfim, é um daqueles raros CDs em que você escuta do início ao fim, sem pressa nem vontade de pular uma faixa. Por isso mesmo, fica difícil escolher uma favorita... Coloco aqui, então, o vídeo que me apresentou essa obra-prima, Drive (clique aqui). Não me lembro direito, mas acho que esse vídeo também teve exibição nas horas pares no dia de sua estreia na MTV. Cheers!

7 de mar. de 2011

Mea Auten Brasiliae Magnitudo*


* "Também É Minha a Magnitude do Brasil"

Ser joinvilense é...
(singela homenagem pelo aniversário de 160 anos)

...ter uma relação paradoxal de cidade grande com infraestrutura pequena - ruas de calçamento e rede de esgoto tratado cobrindo apenas 10% do município.

...ter de “meiar” com a prefeitura os custos de asfaltamento da sua rua, apesar de todo o imposto que se paga.

...se perder num bairro mal sinalizado, porque até hoje não foram instaladas placas dos nomes das ruas em muitas delas - os administradores da cidade preferiram pintar os endereços em postes, tornando impossível a leitura com o carro em movimento.

...fazer chacota do Rio Cachoeira, do prefeito que prometeu tomar banho no rio ao fim do seu mandato quando, segundo o próprio, o rio estaria completamente despoluído.

...não fazer nada a respeito do mesmo rio, seja pelo desinteresse em verificar o seu próprio esgoto, ou de jogar qualquer tralha de casa em suas águas tão judiadas.

...sofrer de uma crise de identidade, por ainda acreditar na virtude da descendência germânica, cuja influência já foi diminuída há muito tempo pelas famílias de vários Estados que para cá se mudaram.

...honrar o município com  homônimos carinhosos - Chuville, Brejoinville, Penico de São Pedro - por causa dos seus já conhecidos e respeitados índices pluviométricos.

...ser solidário com os paranaenses pobres que invadiram a periferia da cidade e, hoje, recebem assistência através das inúmeras campanhas sociais.

...lamentar a atual mediocridade do nosso time de futebol e, ainda assim, manter acesa a paixão – os casamentos poderiam ser um pouco assim.

...sentir saudades do inverno naquele verão tipicamente abafado da cidade.

...sentir saudades do verão naquele inverno tipicamente úmido e escuro da cidade.

...ir a um boteco dos mais simplórios e encontrar magnatas da cidade tomando cerveja e jogando dominó.

...desaparecer da cidade nos finais de semana do verão (antigamente, era simplesmente desaparecer da cidade no verão).

...comer uma empada do Jerke; um strudel de maçã da Confeitaria XV; um peixe ao Sopp; um chapeado; costela na quarta ou na sexta-feira; rollmops com Serra Malte gelada no Zeppelin; caranguejo na época em que o jacatirão floresce; um filé de lombo suíno com molho especial do Indaial; frutos do mar com peixes típicos da região; empadão de frango e requeijão da São José...

...fazer jogging na calçada do batalhão porque a cidade não planejou seu grande parque municipal.

...temer o futuro do trânsito da cidade, também por conta da falta de planejamento estratégico urbano.

...lembrar com saudades de uma época de políticos servidores do município (e não o contrário) como seu Wittich (pronuncia-se “vítchi”) Freitag, o qual exigia dos funcionários não apenas probidade, mas também eficiência e corte de desperdícios com os recursos públicos.

...viver contando que morre de vontade de subir o Monte Crista.

...ter um jacaré com nome alemão (o Fritz) morando no rio da cidade, e dividindo o habitat fétido com seus comparsas Lacoste e Jaca - sem contar a fauna aviária que também teima em permanecer ali.

...também ser brasileiro, e ter que ouvir promessas ridículas e infactíveis de candidatos a prefeito, as quais sabemos que não serão cumpridas.

...ter uma Câmara de Vereadores onerosa e que se diz eficaz.

...admirar a zona rural da cidade e sua estrutura turística razoavelmente organizada, mas ir lá apenas uma vez por ano, se muito.

...conviver com as enchentes e se preparar com antecedência para apoiar as campanhas em favor dos desabrigados, pois o poder público contará com essa ajuda e, pacientemente, irá esperar a poeira baixar para que as promessas fiquem no vazio.

...morar na cidade das orquídeas premiadas; das damas-da-noite, com seu perfume inebriante de início de verão; dos ipês e seu espetáculo solo de duas semanas; das azaléias que dividem propriedades; dos lírios amarelos que ornamentam empresas e canteiros públicos;  dos jardins floridos e bem cuidados nas casinhas simples dos bairros outrora completamente residenciais.

...constatar que a especulação imobiliária tomou conta da cidade e, a continuar desse jeito, os adornos de morros verdejantes cedo ou tarde serão recordações de fotografias (quando isso acontecer eu caio fora daqui).

...dar risada dos incautos “forasteiros” que quase têm um enfarte toda vez que o avião arremete “por falta de condições” da pista do aeroporto - nós, como bons joinvilenses, já estamos calejados.


...trombar com os militares do 62º BI em suas corridas pela cidade entoando cânticos de patriotismo.


...dar um mergulho no Piraí e depois fugir dos borrachudos.

... já ter bebericado um copo de Maracujá Joinville.

...colher goiabas em fevereiro, e ameixas amarelas em agosto.

...tal qual um sapo, estranhar e até clamar por água quando passa um mês sem chover.

...tudo isso e muito mais, porém, como bom joinvilense, estou trabalhando em pleno Carnaval e, portanto, sem muito tempo para escrever. Porque joinvilense é assim mesmo: trabalha duro não apenas para o sustento, mas para a própria dignidade, mesmo que esta virtude esteja tão em baixa hoje em dia.

13 de jan. de 2011

I'm free to be whatever I choose





Recentemente, vi um comercial da Coca-Cola no qual um coral de crianças cantava esta música. Ela foi lançada somente como single, e não sei por que não entrou na coletânea do Oasis, The Masterplan (que foi justamente pensado para agrupar todos os singles lançados até aquela ocasião). Uma das melhores composições da banda, na melhor fase vocal de Liam Gallagher.


I'm free to be whatever I
Whatever I choose
And I'll sing the blues if I want

I'm free to say whatever I
Whatever I like
If it's wrong or right it's alright

Always seems to me
You only see what people want you to see

How long's it gonna be
Before we get on the bus
And cause no fuss
Get a grip on yourself
It don't cost much

Free to be whatever you
Whatever you say
If it comes my way it's alright

You're free to be wherever you
Wherever you please
You can shoot the breeze if you want

It always seems to me
You only see what people want you to see

How long's it gonna be
Before we get on the bus
And cause no fuss
Get a grip on yourself
It don't cost much

I'm free to be whatever I
Whatever I choose
And I'll sing the blues if I want

Here in my mind
You know you might find
Something that you
You thought you once knew

But now it's all gone
And you know it's no fun
Yeah I know it's no fun
Oh, I know it's no fun

I'm free to be whatever I
Whatever I choose
And I'll sing the blues if I want

I'm free to be whatever I
Whatever I choose
And I'll sing the blues if I want

Whatever you do
Whatever you say
Yeah I know it's alright
Whatever you do
Whatever you say
Yeah I know it's alright


11 de jan. de 2011

Rastejo Socrático





Ah, todavia!
Entre o sim e o não, mais para não seria...
Um parágrafo novo, ao final de três pontos estaria.
Talvez nas entrelinhas, cercada de proselitismo,
Amalgamada entre metáforas - e falso niilismo!
Mal disfarçando o sumum egoísmo (e a descrença)
Eu a quero antes do ponto final da sentença.

Ah, portento!
Não garanta a ela a certeza deste momento!
Seja dúbia, assim como a direção do vento.
Num discorrer meticulosamente não deliberado,
Seduza a verdade, não lhe dê o real significado.
Se elogios ao seu ouvido ela soprar,
Mutile a vontade, faça-a rastejar.


Sim, entrementes!
Gira o mundo, ela que não me enfrente!
Quanto mais longo o discurso, menos eloquente...
A mim pouco importa, contanto que tarde.
Honestidade incomoda, endivida o covarde...
Cerceia o momento, abdica do sentimento!
E no entanto, é o meu único testamento...

28 de nov. de 2010

Futuro do presente x Futuro do pretérito


- Ah, aí está você de novo...não pense que não sei que me observa há dias.
- Tenho estado ao seu lado já há algum tempo.
- Por que não a toma de uma vez??!
- Não cabe a mim decidir.
- Mas gosta de me ver aqui!...moribundo, esquálido...fraco demais...
- Sim, não nego...mas não faz parte da minha natureza, ao contrário do que os homens pensam. Tendo a ser neutro em todas estas ocasiões, apenas aguardando ordens. Observo, ou melhor, contemplo, porque sempre me faz relembrar a lição máter que os homens esquecem no decorrer de suas vidas.
- Hmm...e qual seria?
- A de que vocês são milagres vivos - energia abundante, sempre num ciclo latente . Seres capazes de proceder uma revolução benéfica para si mesmos. Todavia, sempre vejo como reverberam até o último instante e, ironicamente, apenas nos minutos finais parecem atingir a compreensão.
- Compreensão de quê?!
- De que até o último suspiro, é possível extrair alguma coisa. Mais do que isso: por vezes, vocês aprendem mais nos útimos momentos do que em toda a sua jornada. Neste mundo, a dor anda de mãos dadas com a sabedoria. Se pulsa vida por suas veias, procure entender, como eu, que cada respiração dada pode ser um ofício que se depreende da mais pura arte da reflexão.
- Parece-me irônico que só reflitamos sobre isso no ocaso de nossas vidas...
- Sim. Posso sentir sua mente fervilhando milhares de ideias. Sobre seu passado e futuro. Já o presente...você parece pensar pouco no presente.
- Isso causa estranheza a você?'
- Ao contrário. É normal, em momentos como este. Você, como muitos que visitei, está com medo...medo do desconhecido, do que vem pela frente; medo das tolices que cometeu. E no entanto, apenas o seu pensamento no agora poderia libertá-lo.
- Rá! Se isso fosse verdade, não estaria recebendo sua visita há dias!!
- Está vendo a questão por apenas um ângulo. Acabo de lhe dizer que momentos finais são preciosos. O grito pela perpetuidade nos faz desejar o que não pudemos alcançar, de uma maneira ou de outra. Todas as células do seu corpo neste momento gritam, se debatem, lutam para seguir adiante. Sempre há possibilidade de se fazer algo grandioso, intenso...até que os olhos se fechem, até o final. A mente quer isso - está consciente (talvez pela primeira vez), desperta, mas desta vez é o corpo quem está fraco. Durante toda a sua vida, foi justamente o contrário.
- Bingo, maldita!! Que diabos espera que eu faça, atado aqui neste leito?? Como posso me concentrar no presente, se não consigo sequer comer sem ajuda??! Já percebeu como defeco aqui, deitado? É apenas outra ironia, assim como você! Por que não posso me ir? Esqueça as ordens!! Estou há quase três meses agonizando! Para quê, eu me pergunto?
- Já disse o porquê... a dor é sua professora, e no entanto, você a encara como se um aluno rebelde fosse, não como um discípulo que deseja superar seu mestre. Olhe ao lado...há várias outras pessoas sofrendo tanto ou mais do que você. Cada uma delas tem o poder de escolher ser um bom ou mau aluno.
- Que diferença isso faz?! No fim, o resultado é o mesmo!!
- Faz toda a diferença, ainda mais perto do fim. Há duas questões que você deveria se fazer: qual fim? E quando será o fim? De qualquer maneira, você sabe que estou aqui. E no entanto, há um "senão". Ele repousa, essencialmente, no fato de suportar o que for preciso para libertar-se dos ditames do que foi e do que poderia ser. Tal decisão acontece aqui, neste momento...na fronteira e no giro dos minutos e segundos e o que eles deixarão escritos para o futuro.
- Supondo que esteja certa...mesmo assim, você continuaria a me visitar?
- Sim, mas seria diferente.
- Diferente como?
- Não importa quanto tempo eu levasse para visitá-lo novamente, você certamente me receberia de braços abertos e com um sorriso, pra variar.
- ...E...o q-que...o que... eu encontraria?... No fim?
- Paz.

21 de nov. de 2010

Posto Vespertino



Soturno, dentro de mim se esvai
Esgarça um pedaço de si...e segue
Olvidado não será, porque nunca me trai
Saiba, aqui e agora, a crua exegese


Não me invada, 
Tenho a fronte obtusa e cerrada
Não cometa seu destino, 
Pois que dele não participo
Minha mente é fraca,
E sim, pode ser subestimada
Pois não é dela que preciso,
Mas do furor inocente de menino


Ojeriza, não proceda em vã prolixidade
Aceite o milagre, beba a água da divindade
Ouça a alma pulsar, fluindo pelos meus poros
Chegue devagar - seja cometa, não meteoro


Ouça - meus gritos não têm eco
Veja - minhas chagas não se suturam
Semblante intermitente, desperto...
Pois na treva da dor, luzes me curam


Lembre-se, o zênite precede o ocaso,
Porém, não antes do solstício perfumado
Desista de entoar murmúrios a meu lado,
Pois se há flores, haverá vaso

17 de set. de 2010

Certo por linhas tortas?




Escutei essa estória hoje, é real e compartilho.

Frustrada por não ter filhos do gênero feminino, uma jovem mãe decide, então, adotar. Para facilitar o entendimento do causo, vamos dar-lhe um nome fictício: Elaine*. No decorrer do processo, ela conheceu duas gêmeas, com idade de mais ou menos 8 meses, disponíveis para adoção. Os bebês eram esqueléticos, com peso de recém-nascidos (mais ou menos 4 kg) e várias complicações resultantes do fato de que tanto pai quanto mãe eram - ou são, não saberia dizer se ainda estão vivos - viciados em drogas. A mãe, de 22 anos, inclusive já abortara algumas vezes antes. Imagine-se como foi o pré-natal (ou prénatal? essas regras gramaticais novas enchem o saco...) dessas crianças.

Pois bem. O que chama a atenção, em primeiro lugar, é que Elaine bateu o  pé e afirmou que só adotaria se pudesse levar ambas. Muitos juízes recomendam justamente este processo, para que não sejam separados irmãos de sangue, sendo também, em muitos casos, um entrave à adoção por candidatos que querem apenas uma criança (não vou entrar aqui no mérito sobre quem tem  razão, a lei ou candidatos à adoção). As pessoas responsáveis informaram que uma das gêmeas já havia sido internada algumas vezes, e que deveria voltar novamente ao hospital, com sério risco de vida. A outra irmã, por outro lado, era aparentemente saudável. Elaine não quis saber. Disse que adotaria ambas: “Levem-na para o hospital, cuidem dela, mas eu não abro mão de ter as duas”.

Condição exigida, condição atendida...vejam como Deus faz as coisas...não é que a menina passou pelos cuidados médicos e conseguiu sobreviver após o tratamento? Hoje, ela tem 5 anos de idade, e é uma criança com vida normal. Mas, por um desses desígnios que o Pai Celestial nos coloca, a irmãzinha considerada mais saudável não resistiu e, não muito tempo depois, veio a falecer. Elaine, com a ajuda do irmão, bancou todas as despesas do sepultamento.

Teria ficado sem nenhuma, caso não tivesse brigado para ter as duas.




24 de ago. de 2010

Elegia Urbana

Hoje, ao acaso, dei uma chance a mim mesmo...
E me flagrei sorrindo, escondido, de canto! 
Tá, confesso...tinha um estoque de alegria sem prazo de vencimento
Minha alma desvencilhou-se dos grilhões do calabouço
Meu corpo, tal qual rêmora, veio no embalo
Saí do prédio, vitaminado...
Pulando, num só pulo, os cinco degraus da entrada
Atravessei o portão de olhos fechados, como numa propaganda,
absorvendo o calor matutino que furava densas nuvens
Passei pela calçada, cumprimentando desconhecidos 
A resposta das pessoas não apenas me surpreendeu, 
como também me comoveu. 
Houve muita troca boa de energia 
- até abraços inesperados, quem diria! 
E o mais incrível é que ainda era começo de dia!


Decidi caminhar um pouco mais, até minha padaria favorita
aquela a qual não me é possível frequentar todos os dias 
Menos por dinheiro, mais por preguiça, eu diria
Lá chegando, encontrei amigos dos velhos tempos
Misto-quente, pingados, sucos e muita alegria!
Conversas sobre futebol, empregos e casamentos
Fechamos aquele café com um brinde, na velha sintonia
promessas de uma nova reunião e sinceros sentimentos...
E o mais incrível é que ainda era começo de dia!


Entrando no edifício onde trabalho,
dei um bom dia gritado, como há muito não fazia
Os transeuntes que ali passavam, o riso não puderam conter
Ao entrar no elevador, cumprimentei todas as pessoas
as quais por algum motivo - ou por motivo algum
eu nunca cumprimentava;
dentre elas, a linda ruiva do escritório do vigésimo andar
Restando apenas nós dois para desembarcar
Pela primeira vez, ousei lhe falar e - surpresa!
Sem perceber, da minha boca saiu um convite para jantar
Quando ela disse sim, eu mal pude acreditar!
Entrei no escritório tão leve, que podiam me ver flutuar
E o mais incrível é que o dia ainda estava a começar! 


Animado com tudo que me acontecera até ali,
Decidi realizar tarefas sob corajosa iniciativa
Mandei para o inferno a rotina dos relatórios
Tentei ver as coisas sob outra perspectiva
Iniciei a revolução, simplesmente mudando a mesa de lado
Desengavetei projetos e os despejei à mesa do chefe
O medo da rejeição, desta vez ficou calado
Com um olhar de agradável surpresa, 
meu chefe prometeu analisar
A resposta veio, antes do expediente se encerrar
O chefe gostara, e muito: "Vamos implementar!
A partir de amanhã, há uma equipe para você coordenar!"
Saí do trabalho, 
a adrenalina era tanta que não deu pra esperar
Desci as escadas correndo, desde o vigésimo quinto andar
E o mais incrível: a linda ruiva estava lá embaixo, a me esperar


Pensei em levá-la ao mesmo restaurante
Onde levava as mulheres com quem saía
Era uma solução segura - e menos estressante 
Mas ela era especial, também era especial o dia
Decidi mais uma vez correr o risco
Levei-a ao meu canto favorito,
numa praia distante do centro, e perto do Divino
Um bar à beira da praia, simples e aconchegante
Uma mesa a dois, eu tão nervoso quanto um iniciante
Em uma troca de olhares, percebi que havia muito adiante
Por fim, o manto escuro da noite,
o crepúsculo agasalhou junto ao luar
Sob um teto estrelado, 
eu pedi à mesma lua para não ver a noite findar


Depois da refeição, eu a levei para um passeio
Pés desnudos, mãos unidas e pegadas na areia
Pairou uma afinidade intensa, do calibre dos meus devaneios
O primeiro beijo que lhe dei, foi de olhos abertos
Pois queria gravar os mínimos pormenores 
daquele instante tão meu (tão nosso)
A claridade deitou, intensa, naqueles olhos azuis
O planeta girou mais rápido, 
quando deixei minhas melhores palavras
escapulirem para dentro dos seus ouvidos...
Aquele ataque de sinceridade acendeu o rastilho,
do sentimento ímpio para um roçar desmedido
E antes que pretendesse acordar, o sol já surgia, tímido


Saudação calorosa na linha do horizonte, 
mente trôpega em busca de mais...
Se minha noite perfeita tivesse mais horas, 
mais e mais eu a preencheria 
Uma prancha de surfe no oceano, sob o holofote da lua cheia
Uma praça do alto da colina, um cochilo debaixo da palmeira
Preso em minhas divagações, não a percebi alheia...
Enquanto caminhávamos pelas pedras do cantão,
antes que pudesse perceber, ela puxou uma correia
Enlaçou-a em meu pescoço, puxou-me para perto do coração
Num abraço mortal, eu era uma mosca na teia:
"O amor nunca vai ao âmago, por onde campeia
seu rastro se esvai em promessas e desilusão
O tolo que nele se apega, segue o canto da sereia
A água o acolhe, a espuma o cega, o sal o incendeia"


Lá, onde as gaivotas se aninham para observar
Senti um canivete cravado em minha jugular
O mergulho final, golpe da misericórdia, 
Fim da linha, pomo da discórdia
Um último beijo, ela podia ir embora
pois que havia um mundo de oportunidades afora
Daquela visão turva, o horizonte avistei
O escarlate do céu, lentamente ia sendo suplantado 
"Vermelho como os cabelos dela", lembrei
E o mais incrível é que a noite mal havia terminado


*este poema foi inspirado na obra do mestre do rock macambúzio, Nick Cave

27 de jul. de 2010

Sobre Abutres e Cães


Eu sou, ironicamente, o lado frágil desta questão...mais precisamente, o fio condutor de dois lados que não têm lado, tal qual as moléculas dispersas na ebulição. Nossa missão é acomodar interesses em um ambiente cuja definição "inferno" se assemelha a um filme noir macabro... A paleta de sentimentos e adjetivos à minha disposição parece insuficiente para registrá-lo em toda sua amplitude... Lembro-me de ter lido, em algum lugar, uma reflexão acerca do fato de que muitos conceitos não podem ser compreendidos pelo ser humano, dada a limitação de sua linguagem. Aparentemente, nossa pobreza de vocabulário é o resultado de uma condição intelectual e moral insuficientemente evoluída, e lamento que isto soe verdadeiro... Se a mim fosse dado o poder de expandir o alcance das palavras, torná-las tão ou mais letais do que meu fuzil, este breve relato me tornaria um herói de guerra.

Acabo de voltar de uma patrulha de rotina. Nossa base é um oásis no deserto caótico que se instaurou na capital. O presidente foi assassinado em circunstâncias misteriosas, pretexto mais do que suficiente para acender o barril de pólvora desta pseudo-democracia. Rebeldes tomaram o poder, reivindicando uma suposta supremacia de uma etnia que se dizia oprimida pelo governo anterior. O resultado? Um banquete permanente para os abutres, sempre rodopiando pelo céu, mesmo uma semana após encerrada a guerra - um massacre que se converteu em genocídio e resultou na morte de aproximadamente um milhão de pessoas, a maioria a golpes de facão.

Eu sei, parece estranho que ao tentar descrever tudo que vi - e principalmente após minha divagação acerca da pobreza de linguagem para tentar definir o indefinível - simplesmente me aproprie de uma metáfora tão rasa. Pois será esta a visão a qual forçarei minhas sinapses, sempre que o pesadelo do terror vier a me atormentar nos dias que se seguirão. Nada mais do que uma reação mecânica de preservação da minha sanidade mental, pois quando aqui cheguei, meus olhos se recusavam a ver as centenas de cadáveres que se empilhavam nas ruas, todos os dias. Instintivamente, eu erguia minha visão para o alto e, invariavelmente, lá estavam as aves carniceiras em seu ritual de preparação - autênticas e soberanas comensais da morte.

Hoje, compreendo porque dizem que o primeiro sentimento de reação à dor é a negação. Enquanto pudemos ignorar o caos ao nosso redor, os dias eram suportáveis. Agora, na minha companhia, somos quatro soldados tomando medicamentos tarja preta. Um paliativo que se tornou precipitadamente imperativo, depois que um companheiro tentou dar cabo da própria vida com granadas, as quais felizmente não detonaram - estavam “ocas”, e nem mesmo os oficiais mais graduados sabiam disso.

Os pesadelos não vão embora. Todos buscam, no trabalho braçal, uma terapia para manter a cabeça ocupada e deixar o corpo tão fatigado que não permita sequer uma lembrança do que temos testemunhado, quando cerrarmos os olhos à noite. O problema é que o sono por aqui nunca é reparador. Quando não são ecos de metralhadoras ou bombas, são os caminhões trazendo feridos, principalmente mutilados. Penso nas crianças órfãs que chegam. Elas não choram nem gritam como os adultos, principalmente as mulheres. Por trás da crosta da aparência catatônica, elas estão mortas por dentro. Viram familiares, amigos e vizinhos serem fatiados com requintes de crueldade ímpar. Umas poucas, já recuperadas, passeiam pelas enfermarias fazendo absolutamente nada, olhando para o nada. São como zumbis, vagando sem propósito e atrapalhando a circulação dos médicos.

Talvez eu também esteja me tornando um morto-vivo. Justamente por temer perder minha capacidade de indignação e não deixar que esse cenário de loucura se torne trivial, hoje finalmente baixei a guarda e forcei-me a observar, sem desvios, o saldo final do conflito.

Nosso trabalho é proteger os comboios carregados com alimentos, roupas e remédio não apenas dos últimos focos esparsos de resistência rebeldes; mas da própria população. A fome os torna irracionais, e o resultado são caminhões alvejados e cargas saqueadas, principalmente nos subúrbios.

Estivemos no centro da cidade hoje. Os corpos estão espalhados aleatoriamente, e os sobreviventes parecem pouco propensos a organizar sepultamentos. Esta tarefa sobra para os militares (eu me incluo entre eles) e voluntários. Um fotógrafo nos acompanha, disparando sua máquina para todos os lados...nas calçadas, nas placas de estabelecimentos comerciais destruídos, nas janelas, árvores e, como pudemos constatar mais tarde, também no rio Nyabarongo. Cadáveres e mais cadáveres. As mãos começam a formigar, gélidas. O coração dá socos na cavidade torácica. Faço uma pausa para mais uma dose de Rivotril. Prosseguimos novamente, sempre atrás do comboio.

Ao virarmos em uma rua, somos obrigados a descer e retirar os corpos das ruas para os veículos passarem. Pego uma máscara. Começo retirando dois homens, o primeiro de estatura mediana. O segundo, muito mais alto e pesado, me obriga a pedir ajuda. Coloco-os encostados nos escombros do que, suponho, seria um bar ou mercearia. Ali mesmo, estatelada de bruços, está uma menina de mais ou menos 9 anos de idade. Tem os membros amputados. Provavelmente, sangrou até morrer. Cometo o erro de virá-la e percebo que o homicídio teve pitadas de sadismo. A pequena tem, pela ordem, a orelha direita, a mão esquerda e o pé direito amputados, numa “lógica” seqüencial macambúzia. Minha visão fica turva... Impulsos elétricos disparam, e sinto as veias da minha cabeça nitidamente latejarem...o ímpeto de fúria assassina que me acomete só é obliterado ao perceber as náuseas do fotógrafo, às minhas costas. Levanto-me para ajudá-lo a se recompor e percebo, do outro lado da calçada, o motivo da ojeriza. Ali se encontra o corpo de uma mulher, cujas mãos foram cortadas (mas não decepadas). As marcas da violência sexual estão bem visíveis.

Durante a fase mais crítica da guerra, levavam à nossa enfermaria mulheres que haviam sido sodomizadas por até dez homens, muitas vezes simultaneamente. Chegavam urrando de dor, com hemorragias internas e os médicos utilizavam todo o estoque de morfina à disposição. Cirurgias de reconstrução vaginal eram rotineiras. Vi tudo isso com meus próprios olhos, e achei que estivesse me acostumando. No entanto, o quadro desta vez é indubitavelmente mais chocante. A moça, não mais que 25 anos, foi violentada à maneira típica que descrevi, com um detalhe: estava grávida. Aparentemente, os assassinos abriram-lhe a barriga, deixando um bebê natimorto preso às entranhas, pela placenta. Olho para os lados. Toda a companhia tenta demonstrar firmeza, mas os movimentos de maxilares protuberantes e intermitentes denunciando um choro travado nos traem. Os olhos ficam úmidos. Ninguém diz uma palavra.

Quando terminamos de desimpedir a via, escuto um ganido dentro de uma casa bombardeada. Dois soldados também. Dou o sinal e recebo a resposta de que terei cobertura. Entro nos escombros e eles me seguem. Depois da cena da mulher grávida, não há mais pico de adrenalina, e eu me sinto anestesiado. Acendo uma lanterna para afastar a penumbra e percebo, ao fundo do casebre, um pequeno corpo inerte, coberto de poeira, e um cachorro ao seu lado, deitado.

O animal levanta a cabeça e, ao ver minha aproximação, rosna ameaçadoramente. Meu colega atrás de mim faz a mira. Eu o impeço no ato. Chego mais perto, e ofereço a minha mão para que ele possa cheirá-la - nunca tive medo de cachorros. Ele parece compreender meu sinal de trégua, permitindo minha aproximação. Faço um afago e ele abaixa a cabeça, sem desgrudar os olhos de mim. Percebo que ele guarda uma criança, mas esta não foi amputada. Provavelmente morreu pela bomba. Tomo o pulso dela. Morta, realmente. Dou o sinal ao meu companheiro, que dá meia-volta. Tomo o cachorro em meus braços, sem que ele proteste, e o carrego para fora. Está ferido em uma das patas, mas não parece grave. Ignoro o aviso do sargento, de que o regulamento não permite animais de estimação na base. A presença do cãozinho é um sopro de vida na missão, e a resistência do oficial responsável se encerra definitivamente quando a companhia o cerca e os voluntários o mimam, oferecendo água e um pouco de comida.

Quando os motores ligam e prosseguimos, o animal imediatamente se põe a latir e ganir, olhando para os escombros que guardava há minutos. Ignoramos, mas o desespero aumenta e ele se torna irrequieto e verdadeiramente hostil. A lealdade daquele vira-lata comove a todos, e sem qualquer objeção, voltamos para buscar o corpo da criança que estava sob sua tutela e a levamos para a base, para ser enterrado.

Depois de pedir a um dos médicos que examine a pata do novo mascote, vou direto para o chuveiro, o meu local preferido de relaxamento desde que fui impedido de consumir álcool por conta dos antidepressivos...Por mais que esfregue, parece que o sangue não sai das minhas mãos...tento amenizar, cortando as unhas no limite do possível, mas sempre que olho novamente, elas me parecem rubras. Não sei como explicar, mas também parece não haver perfume que me livre do cheiro putrefato e carregado das ruas de Kigali, imersas em sangue, cinzas e lágrimas. Aparentemente, meu olfato desenvolveu uma percepção sensorial indelével; correlacionada aos pesadelos que vivi nestes últimos meses.

À noite, com o cachorro afundado no meu colo após o pequeno funeral organizado para seu ex-dono anônimo (no qual ele fez questão de participar), mal consigo participar da acalorada discussão que se formou ao meu redor, entre soldados, voluntários e ruandeses, sobre o nome que irá batizá-lo. A lembrança do pior dia da campanha me faz olhar para o animalzinho, aparentemente tão frágil, e que tantas lições nos ensinou hoje...lealdade...coragem...amor incondicional, seja lá qual fosse a etnia ou condição social e intelectual da criança que ele tão zelosamente guardava...Sinto calafrios ao me dar conta de que ele desperta, em mim, a  repugnante vergonha de ser quem - ou o quê - sou. Neste momento, eu me pego a invejar e admirar o cãozinho ruandês, tal qual um aprendiz o faz com seu mestre. “Renuncio à minha condição de homo sapiens, quero ser um cachorro”.

Levanto-me em seguida, deixando-o com uma das enfermeiras que ali estão, e me despeço para o ritual noturno diário, de remédios e choros escondidos debaixo do travesseiro. Eu apenas rezo para não sonhar... nem me tornar um morto-vivo.