27 de mar. de 2011

Da série "Minhas Memórias"

Um mês de preparativos e a mudança finalmente está encaminhada. Dias encaixotando e carregando coisas para o novo apartamento, até que venha o caminhão "oficializar" tudo... Dias também para remexer em lembranças pálidas por meio das tralhas que a gente guarda por puro saudosismo. Dentre as relíquias encontradas, minha produção caseira de quadrinhos; a baqueta que o percussionista da banda do Ben Harper atirou pra galera e que caiu, fortuitamente, aos meus pés; recibos de salários do meu tempo de estagiário em uma agência de publicidade - meu primeiro emprego - e, principalmente, minhas fotos impressas, quando máquinas digitais eram peças de luxo. Também tive que me conter para não passar o dia relendo meus quadrinhos do Asterix e Calvin & Haroldo, sob risco de não cumprir o cronograma apertado.


Ao longo da vida, a gente vai juntando essas quinquilharias e a mudança é uma oportunidade rara de se livrar de uma considerável parte dela. Meus CDs de música, por exemplo, foram todos distribuídos. Na era do MP3, não faz mais sentido manter pilhas de discos mofando e juntando pó, ainda mais para quem sofre de rinite alérgica. Há quem curta e até prefira escutar nos discos, mas eu não sou nem um pouco saudosista neste aspecto.

Assim como as fotos, a organização dos discos também se tornou uma viagem tipo "Túnel do Tempo". Músicas são parte da nossa vida, impregnam as memórias e acabam se tornando referências e reflexos de nossas personalidades. E lá estavam eles, os meus quatro primeiros da coleção - presentes de Natal da época em que o Plano Real equiparou nossa moeda ao dólar e nos devolveu poder de compra. Uma época, também, em que a MTV brasileira chegava pela antena parabólica, e com ela, todas as novidades do cenário musical, pois naquela época a MTV realmente se ocupava de música. Lembro que a emissora concedia uma honraria aos astros de primeira grandeza, ao anunciar que os clipes de estreia seriam exibidos nas horas pares de um determinado dia. Guns N´Roses, Madonna, U2 e Michael Jackson foram alguns homenageados.

Mas eu estava falando dos 4 primeiros. Foram eles: Nevermind do Nirvana, Ten do Pearl Jam, Money For Nothing do Dire Straits e Automatic For The People, do R.E.M.. Todos eles se tornaram clássicos, e o mais desconhecido da lista hoje talvez seja o R.E.M., mesmo que o álbum tenha sido eleito um dos 3 melhores da década de 90, junto com o Nevermind e OK Computer, do Radiohead. Mesmo assim, "Automatic..." ainda é o meu favorito do quarteto. A partir dele, meu horizonte musical se abriu consideravelmente, já que ainda havia muita tribalização de gostos musicais da juventude da época, especialmente com rock pauleira em suas diversas vertentes. Caras que gostassem de todo tipo de som eram vistos meio que como aliens, e eu era um bom exemplo disso, embora não desse a mínima.

"Automatic..." foi uma experiência única, porque me apresentou um R.E.M., incensado com o megasucesso "Losing My Religion", como uma banda muito mais eclética e versátil do que eu  pensava. E tudo está ali - o piano de Mike Mills em Nightswimming, órgãos, violoncelo (como na belíssima Sweetness Follows) com as distorções elegantes de guitarra que se tornaram marca registrada de Peter Buck... As músicas do álbum, mesmo as mais agitadas, mantém aquela atmosfera introspectiva, permeada de imagens do interior dos Estados Unidos, e naturalmente sublinhada pela voz grave de Michael Stipe. É possível encontrar inúmeras referências a personalidades mortas de maneira trágica. Everybody Hurts é uma preocupação de Michael Stipe com a onda de suicídios que acometia os jovens da época, e dizem que Kurt Cobain, amigo pessoal de Stipe, escutou muito a música dias antes de se matar. Man On The Moon foi uma homenagem ao comediante Andy Kaufman - sim, aquele mesmo interpretado por Jim Carey no filme "O Mundo de Andy" - muito antes do filme sair. Embora digam que Find The River é uma homenagem póstuma ao jovem ator e ex-promessa de Hollywood, River Phoenix (morto precocemente ainda em início de carreira por overdose), isso não é verdade posto que a morte ocorreu dois anos depois do lançamento do CD. Mesmo assim, é uma das melhores músicas do álbum. 

Enfim, é um daqueles raros CDs em que você escuta do início ao fim, sem pressa nem vontade de pular uma faixa. Por isso mesmo, fica difícil escolher uma favorita... Coloco aqui, então, o vídeo que me apresentou essa obra-prima, Drive (clique aqui). Não me lembro direito, mas acho que esse vídeo também teve exibição nas horas pares no dia de sua estreia na MTV. Cheers!

7 de mar. de 2011

Mea Auten Brasiliae Magnitudo*


* "Também É Minha a Magnitude do Brasil"

Ser joinvilense é...
(singela homenagem pelo aniversário de 160 anos)

...ter uma relação paradoxal de cidade grande com infraestrutura pequena - ruas de calçamento e rede de esgoto tratado cobrindo apenas 10% do município.

...ter de “meiar” com a prefeitura os custos de asfaltamento da sua rua, apesar de todo o imposto que se paga.

...se perder num bairro mal sinalizado, porque até hoje não foram instaladas placas dos nomes das ruas em muitas delas - os administradores da cidade preferiram pintar os endereços em postes, tornando impossível a leitura com o carro em movimento.

...fazer chacota do Rio Cachoeira, do prefeito que prometeu tomar banho no rio ao fim do seu mandato quando, segundo o próprio, o rio estaria completamente despoluído.

...não fazer nada a respeito do mesmo rio, seja pelo desinteresse em verificar o seu próprio esgoto, ou de jogar qualquer tralha de casa em suas águas tão judiadas.

...sofrer de uma crise de identidade, por ainda acreditar na virtude da descendência germânica, cuja influência já foi diminuída há muito tempo pelas famílias de vários Estados que para cá se mudaram.

...honrar o município com  homônimos carinhosos - Chuville, Brejoinville, Penico de São Pedro - por causa dos seus já conhecidos e respeitados índices pluviométricos.

...ser solidário com os paranaenses pobres que invadiram a periferia da cidade e, hoje, recebem assistência através das inúmeras campanhas sociais.

...lamentar a atual mediocridade do nosso time de futebol e, ainda assim, manter acesa a paixão – os casamentos poderiam ser um pouco assim.

...sentir saudades do inverno naquele verão tipicamente abafado da cidade.

...sentir saudades do verão naquele inverno tipicamente úmido e escuro da cidade.

...ir a um boteco dos mais simplórios e encontrar magnatas da cidade tomando cerveja e jogando dominó.

...desaparecer da cidade nos finais de semana do verão (antigamente, era simplesmente desaparecer da cidade no verão).

...comer uma empada do Jerke; um strudel de maçã da Confeitaria XV; um peixe ao Sopp; um chapeado; costela na quarta ou na sexta-feira; rollmops com Serra Malte gelada no Zeppelin; caranguejo na época em que o jacatirão floresce; um filé de lombo suíno com molho especial do Indaial; frutos do mar com peixes típicos da região; empadão de frango e requeijão da São José...

...fazer jogging na calçada do batalhão porque a cidade não planejou seu grande parque municipal.

...temer o futuro do trânsito da cidade, também por conta da falta de planejamento estratégico urbano.

...lembrar com saudades de uma época de políticos servidores do município (e não o contrário) como seu Wittich (pronuncia-se “vítchi”) Freitag, o qual exigia dos funcionários não apenas probidade, mas também eficiência e corte de desperdícios com os recursos públicos.

...viver contando que morre de vontade de subir o Monte Crista.

...ter um jacaré com nome alemão (o Fritz) morando no rio da cidade, e dividindo o habitat fétido com seus comparsas Lacoste e Jaca - sem contar a fauna aviária que também teima em permanecer ali.

...também ser brasileiro, e ter que ouvir promessas ridículas e infactíveis de candidatos a prefeito, as quais sabemos que não serão cumpridas.

...ter uma Câmara de Vereadores onerosa e que se diz eficaz.

...admirar a zona rural da cidade e sua estrutura turística razoavelmente organizada, mas ir lá apenas uma vez por ano, se muito.

...conviver com as enchentes e se preparar com antecedência para apoiar as campanhas em favor dos desabrigados, pois o poder público contará com essa ajuda e, pacientemente, irá esperar a poeira baixar para que as promessas fiquem no vazio.

...morar na cidade das orquídeas premiadas; das damas-da-noite, com seu perfume inebriante de início de verão; dos ipês e seu espetáculo solo de duas semanas; das azaléias que dividem propriedades; dos lírios amarelos que ornamentam empresas e canteiros públicos;  dos jardins floridos e bem cuidados nas casinhas simples dos bairros outrora completamente residenciais.

...constatar que a especulação imobiliária tomou conta da cidade e, a continuar desse jeito, os adornos de morros verdejantes cedo ou tarde serão recordações de fotografias (quando isso acontecer eu caio fora daqui).

...dar risada dos incautos “forasteiros” que quase têm um enfarte toda vez que o avião arremete “por falta de condições” da pista do aeroporto - nós, como bons joinvilenses, já estamos calejados.


...trombar com os militares do 62º BI em suas corridas pela cidade entoando cânticos de patriotismo.


...dar um mergulho no Piraí e depois fugir dos borrachudos.

... já ter bebericado um copo de Maracujá Joinville.

...colher goiabas em fevereiro, e ameixas amarelas em agosto.

...tal qual um sapo, estranhar e até clamar por água quando passa um mês sem chover.

...tudo isso e muito mais, porém, como bom joinvilense, estou trabalhando em pleno Carnaval e, portanto, sem muito tempo para escrever. Porque joinvilense é assim mesmo: trabalha duro não apenas para o sustento, mas para a própria dignidade, mesmo que esta virtude esteja tão em baixa hoje em dia.