21 de mai. de 2010

Sobre voo...sobre vida...

Dia desses, eu à toa e o mundo me aguardava
Mas de braços cruzados e punhos cerrados,
Eu era um pássaro a voar com apenas uma asa


Sob o denso precipício que se agigantava,
Eu tecia um vôo cego ante um horizonte trovoado,
Preenchido de montes, que cuspiam rubra lava


Ao longe, via o bando rumar a ermos desconhecidos
E eu, retardatário, ermitão e al(e)ijado,
Flanava irrequieto, a tiracolo do destino


Eis que de relance, o ribombar dos céus vacilou...
Uma fenda nas nuvens, rumo ao azul se abriu
E numa fração de tempo, o mundo silenciou


Um facho luminoso por aquele buraco se irradiou,
E de amarelo pálido se fez minha esperança...
De contornar a tempestade escura, rumo ao azul-calor


Voei ligeiro, até ser inundado por aquela cortina de luz
Súbito, o abismo se inverteu, e do susto não me recompus
Cegado por aquele brilho, já atordoado pela sua grandiosidade,
Bati minhas asas o quanto pude, sem perceber a verdade


Quanto mais subia, mais distante me encontrava do mundo
Para minha surpresa, o apego ao bando tornou-se agudo
A ponto de me fazer desejar voltar, e chamá-los num grito surdo


Vendo-os daquela distância, percebi-me impotente
Outro jeito não havia, era preciso imprimir velocidade
Se quisesse trazê-los àquele brilho sereno e quente


Olhei para trás, espírito aquebrantado e coração inconsolável
Parecia estranho que eu, o maior dos desajeitados,
Fosse contemplado com aquela visão sublime do inefável


Enquanto o bando lá se ia, alheio às visões de um retardatário,
Na mente soprava o desejo de abandoná-los e tornar à luz
Embora soubesse que tal pensamento iria contra o corolário


Restou-me, portanto, tentar quebrar a velocidade de cruzeiro,
Com a missão de mostrar que, no olho da desolação,
Um aleijado, por vezes, vale pelo conhecimento do grupo inteiro

9 de mai. de 2010

Manhã saudosa de mim mesmo...





Manhã de sexta-feira ensolorada no outono, temperatura amena - com direito ao orvalho que se respira das árvores, naquela brisa tipicamente fresca - e um formoso céu risonho e límpido. Combinação que sempre me leva a um impulso quase irrefreável de pegar o carro e sair por aí, a esmo... de subir a serra, para ver o ritmo manso e sereno do campo, de paisagens em tom de verde escuro acizentado, das casinhas e algumas reses pastando ao longe... de ver os morros preservados de Mata Atlântica, que na altitude se miscigenam com os campos e pinheiros... de parar em uma dessas bancas que vendem produtos coloniais e comer, sem pressa, um simples pastel de carne com um copo de caldo de cana... De ir tão longe quanto minha sensação de inconsequência momentânea possa me levar. Talvez até o dinheiro acabar... 


Observo as pessoas caminhando, o ritmo parece mais preguiçoso que o usual para os padrões sul-brasileiros. O sol rebate o friozinho, e parece que uma sensação de paz invade os motoristas, que se tornam também mais lentos e pacientes (ou talvez seja apenas eu). No tocador de CDs, Ben Harper destila canções semi e/ou acústicas, com aquela voz que traz paz ao coração em um dia que promete ser pura adrenalina, apesar de ser o último dia útil da semana. O aparelho, programado para tocar as músicas aleatoriamente, hoje parece gostar do Ben. Primeiro, "Beloved One", com aquela voz que é puro soul n' roll, e que já me faz pensar, pelo teor da letra, em levar uma garota comigo nessa aventura. Aí vem a clássica "Diamonds On The Inside", e minha alma automaticamente se transporta para o clipe, gravado no Havaí. Ao mesmo tempo, minha divagação também muda de cenário - mais especificamente, para a Guarda do Embaú e toda aquela composição agressivamente bela de rio, praia, montanha e mar, toda emoldurada por um céu azul claro, o qual, aos poucos, cede lugar para as estrelas, enquanto o oceano roça a areia naquela cadência tão propícia à contemplação... 

Antes que eu perceba, já virei à esquerda ao invés da direita, rumo à autoestrada. Mas não vou muito longe. Apenas quinhentos metros depois, "acordo" em um cruzamento movimentado e mal planejado, daqueles que testam a paciência dos motoristas e suas respectivas buzinas. É a realidade colocando um dedo na minha orelha. Dou um longo suspiro, olho para o sol que começa a levantar-se, e penso comigo mesmo...por que não?

Por que não escapulir nesse dia de beleza ímpar? Por que não sair por aí dirigindo sem pressa, sem rumo, sem planejamento, sem responsabilidade?... É o último dia da semana mesmo... 

Nesta hora, visualizo o diabinho do hedonismo no meu ombro da esquerda - o tridente dele, tentando me empurrar para a BR- 101. Do outro lado, o suposto anjo me lembra das responsabilidades, e que estão contando comigo na empresa. Lembra-me também de toda a quantidade de trabalho acumulado em cima da mesa e que precisa ser enfrentada, pois se assim permanecer, é o dobro na semana seguinte.

Impotente e resoluto, faço o retorno que reconduzir-me-á ao escritório. O diabinho tenta um golpe de misericórdia, com "Our Love" do Donavon Frankenreiter. Tarde demais...meu espírito aventureiro há tempos foi domesticado pelas experiências em sociedade e suas regras implícitas, que definem, entre outras coisas, o que é correto ou errado (ou seria o que é sucesso ou fracasso?). Quebrar estas correntes agora parece tão improvável quanto achar uma carta de baralho de copas negras. Mas o coração parece tingido de luto nesse momento, em que me vejo passível, agindo exatamente de acordo com o que está e sempre foi programado, enquanto o sol teima em brilhar, auspicioso e intenso como os meus devaneios.

"It's a...morning yearning, it's a morning yearning...", Ben canta.