Manhã de sexta-feira ensolorada no outono, temperatura amena - com direito ao orvalho que se respira das árvores, naquela brisa tipicamente fresca - e um formoso céu risonho e límpido. Combinação que sempre me leva a um impulso quase irrefreável de pegar o carro e sair por aí, a esmo... de subir a serra, para ver o ritmo manso e sereno do campo, de paisagens em tom de verde escuro acizentado, das casinhas e algumas reses pastando ao longe... de ver os morros preservados de Mata Atlântica, que na altitude se miscigenam com os campos e pinheiros... de parar em uma dessas bancas que vendem produtos coloniais e comer, sem pressa, um simples pastel de carne com um copo de caldo de cana... De ir tão longe quanto minha sensação de inconsequência momentânea possa me levar. Talvez até o dinheiro acabar...
Observo as pessoas caminhando, o ritmo parece mais preguiçoso que o usual para os padrões sul-brasileiros. O sol rebate o friozinho, e parece que uma sensação de paz invade os motoristas, que se tornam também mais lentos e pacientes (ou talvez seja apenas eu). No tocador de CDs, Ben Harper destila canções semi e/ou acústicas, com aquela voz que traz paz ao coração em um dia que promete ser pura adrenalina, apesar de ser o último dia útil da semana. O aparelho, programado para tocar as músicas aleatoriamente, hoje parece gostar do Ben. Primeiro, "Beloved One", com aquela voz que é puro soul n' roll, e que já me faz pensar, pelo teor da letra, em levar uma garota comigo nessa aventura. Aí vem a clássica "Diamonds On The Inside", e minha alma automaticamente se transporta para o clipe, gravado no Havaí. Ao mesmo tempo, minha divagação também muda de cenário - mais especificamente, para a Guarda do Embaú e toda aquela composição agressivamente bela de rio, praia, montanha e mar, toda emoldurada por um céu azul claro, o qual, aos poucos, cede lugar para as estrelas, enquanto o oceano roça a areia naquela cadência tão propícia à contemplação...
Antes que eu perceba, já virei à esquerda ao invés da direita, rumo à autoestrada. Mas não vou muito longe. Apenas quinhentos metros depois, "acordo" em um cruzamento movimentado e mal planejado, daqueles que testam a paciência dos motoristas e suas respectivas buzinas. É a realidade colocando um dedo na minha orelha. Dou um longo suspiro, olho para o sol que começa a levantar-se, e penso comigo mesmo...por que não?
Por que não escapulir nesse dia de beleza ímpar? Por que não sair por aí dirigindo sem pressa, sem rumo, sem planejamento, sem responsabilidade?... É o último dia da semana mesmo...
Nesta hora, visualizo o diabinho do hedonismo no meu ombro da esquerda - o tridente dele, tentando me empurrar para a BR- 101. Do outro lado, o suposto anjo me lembra das responsabilidades, e que estão contando comigo na empresa. Lembra-me também de toda a quantidade de trabalho acumulado em cima da mesa e que precisa ser enfrentada, pois se assim permanecer, é o dobro na semana seguinte.
Impotente e resoluto, faço o retorno que reconduzir-me-á ao escritório. O diabinho tenta um golpe de misericórdia, com "Our Love" do Donavon Frankenreiter. Tarde demais...meu espírito aventureiro há tempos foi domesticado pelas experiências em sociedade e suas regras implícitas, que definem, entre outras coisas, o que é correto ou errado (ou seria o que é sucesso ou fracasso?). Quebrar estas correntes agora parece tão improvável quanto achar uma carta de baralho de copas negras. Mas o coração parece tingido de luto nesse momento, em que me vejo passível, agindo exatamente de acordo com o que está e sempre foi programado, enquanto o sol teima em brilhar, auspicioso e intenso como os meus devaneios.
"It's a...morning yearning, it's a morning yearning...", Ben canta.

Cara, realmente tem dias que dá muita vontade de fazer alguma coisa diferente, sair da rotina, mas as obrigações e imposições sociais quase sempre nos colocam de novo no trilho.
ResponderExcluirAcho que é por isso que eu gosto do meu trabalho, a liberdade de não ficar confinado numa sala e de poder fazer alguma coisa diferente sem precisar das explicação pra chefe e essas coisas todas é uma grande vantagem...
O pior mesmo é que nos dias em que podemos fazer alguma coisa diferente (fins de semana, feriados), geralmente acabamos caindo na rotina do descanso. Achamos melhor fazer coisa nenhuma em casa do que curtir um programa diferente (no meu caso). Mas é isso aí, boa reflexão para uma véspera de sexta-feira.
Abraço!
Marcote