13 de fev. de 2010

Surto poético

Os transeuntes mais experientes que reparassem naquele garoto a murmurar consigo mesmo com tanto cuidado e pausa certamente sabiam do que se tratava: invariavelmente lá se ia mais um apaixonado. Os idosos aposentados que se reuniam à orla para jogar bocha botavam reparo. Os tempos e as maneiras haviam por demais mudado, mas certas cenas sempre se repetiam. Garotos e garotas se apaixonavam, e muitos deles circulavam por aquele calçadão, pisando em nuvens - ou em ovos - e remoendo para si mesmos as agruras e felicidades de um novo amor.


Pois o rapaz seguia, aparentemente inabalável. Muitos pensamentos lhe vieram, decerto uma tentativa de largar um pouco do discurso que ele mesmo passara dias a escrever. Revirara poemas de autores que ele apenas conhecera superficialmente, nas aulas do cursinho - aliás, as velhas apostilas haviam quebrado um galhão nesse sentido. Vinícius de Moraes, Álvares Azevedo, Cecília Meireles, Drummond e mais um monte de letras de música que ele gostava.


Puxou mais uma vez do bolso as "palavras da salvação". Tudo na ponta da língua. Não se lembrava de ter escrito coisas tão íntimas. Pensou que talvez fosse melhor mandar a carta pra ela, mas quem hoje em dia manda cartas de amor? Mais do que o temor de não ser correspondido, tinha pavor de ser ridicularizado por alguém que - involuntariamente ou não - pudesse encontrar aquele pedaço de papel. Correio eletrônico então, nem pensar meu amigo!


No seu andar um tanto hesitante, ele se pegou a refletir sobre a situação toda. Um risco luminoso perpassou sua mente, enquanto o coração tamborilava numa cadência acelerada e ele suava, ansioso. Merda! Não queria transpirar, queria, obviamente, chegar sereno e com boa aparência, cuca fresca mesmo. Enquanto puxava um pouco as calças para cima, lançou os olhos sobre o mar e, de súbito, interrompeu a caminhada, chegando próximo à areia. Respirou fundo para se acalmar - outra técnica aprendida com professores de cursinho, para ser usada antes das provas de vestibular. O sol de fim de tarde iluminou suas faces, a barba mal feita e os olhos espremidos para conter os raios que os invadiam. Pensou que se tudo desse certo, ali seria o lugar onde estaria com ela, admirando aquele entardecer, que nunca lhe parecera tão hã...- sei lá - quanto naquele momento. Apurou os ouvidos, percebendo quanta vida gritava ao seu redor. Rodas de amigos nos bares, famílias sentadas em cadeiras de praia jogando conversa fora, casais levando seus cães para passear, até pássaros cantando, espalhados nas árvores...e ele nunca tinha reparado, no meio daquela mistureba de sons, odores e pessoas, de carros e música alta, que havia pássaros por todos os lados. Sentiu-se diferente. Sentiu-se bem. Sentiu que era um dia especial. Sentiu-se pronto. E botou rumo à empreitada novamente.


Mais quinze minutos de caminhada e chegara. Inspirou fundo mais uma vez, na tentativa de aplacar o nervosismo que o assaltava...O tamborilado cardíaco se convertera no surdo da bateria da Mocidade Independente. Era agora. O "dia D", a hora "H", o minuto "M". Fechou os olhos, repassando novamente as palavras que tanto ensaiara. "Seja minha, seja minha, seja minha..." - era um querer tanto que suas caretas chegaram a assustar algumas pessoas que ali passavam. 


De súbito, percebeu o quanto estava parecendo ridículo ali, fantasiando aquele encontro. Não poderia tocar a campainha do apartamento dela. Teria que chamar pelo interfone. Ela poderia arrumar qualquer desculpa - o que ele não suportaria, obviamente - ou mesmo nem estar em casa. Olhou em volta.   Parecia que todo mundo que por ali cruzava lançava-lhe um olhar de piedade.


Aquilo o enfureceu, e ele partiu para o ataque. Encostou-se ao portão e tocou o interfone. Estava decidido a não correr, como das outras oito vezes em que estivera ali... Permaneceu plantado, tremendo, a boca seca, mas firme e decidido. Sorte! Não fôra a mãe quem atendera! Era ela. O tom da voz era amistoso, e ela desceu, aparentemente despreocupada.


Quando a viu passar pelo portão sorrindo, olhos esverdeados e os cabelos soltos e entregues ao vento da orla, seus pensamentos, antes completamente centrados na sua missão, repentinamente chisparam tal qual um gato corre d'água. Pânico! Sentaram-se na escada da entrada do prédio. A conversa era rasa, sobre o tempo, festinhas, amigos e conhecidos. O tempo todo ele só pensava nos poemas, no texto que tantas vezes reescrevera. "Tio Vini, ajuda aqui, pelo amor de Deus!", ele suplicou em silêncio, justamente no instante em que ela comentava algo sobre como ele estava "meio estranho aquele dia". Aí ele não aguentou e soltou:


- Porra, guria! Não percebeu que eu...eu sou "afinzasso" de você? Eu simplesmente...não consigo tirar você da cabeça...eu..eu te amo, cacete!!


Lá do outro lado, Vinícius de Moraes, que a tudo assistia, pensou consigo mesmo que um bom uísque, que ele tanto apreciara enquanto esteve por aqui, também faria um sujeito apaixonado dizer aquilo sem precisar de tanta mesura. "Simples, mas eficaz", cutucou o maestro Jobim, que parara ao lado do amigo para também contemplar a cena, divertido.

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